17 de abr. de 2013

Uma carta de aniversário

Você esteve no meu primeiro dia e eu no seu último. Seria uma troca justa se não tivesse sido tão cedo.

    E tão cedo hoje levanto e tão cedo me arrependo. Olho pro lado, e tão logo percebo que estou onde nós combinamos onde estaria. Minha silhueta cabe perfeitamente no buraco que deixou em nossas vidas.
    E não tão rápido me arrumo, claro, me arrasto e quando me faço, digo pro espelho o tão próximo eu me pareço daquilo que menos almejo.
    E quando tão longe estou, no teu lado eu vejo, no meio da ponte, encolhida, bom a bolsa contra o peito, e é claro que percebo: estou mais um dia a mais distante.

Esqueço. Adormeço.

    E tão lúcida, em sonho, conversamos. E nos choramos. É real porque a dor, desse mundo, transportamos. Eu falo que cada sentimento que amadureço é um milha além daquilo que eu conheço e isso tem um preço.
    E tão quão longe manda eu trilhar, com a vista cansada, daqui, já não consigo te enxergar. E cada obstáculo que venço é um degrau que desço da escada que eu tento fazer como elo dos nossos momentos. Acabou nosso tempo.

    E por mais que eu peça desculpas - e você me desculpa - ainda não posso deixar de me culpar: não conseguirei nunca o perdão por ter desperdiçado o quarto mais significante de nossa linha já que os outros três serão de só saudade.
    E cada quarto que entro sem te ver lá, aumenta o espaço vazio entre as mobílias de minhas experiências. Por mais que a minha casa esteja, agora, toda decorada, ainda terá a infiltração da parede que será como erva daninha em minha felicidade que não importa quantos quadros eu pendure: sempre será uma rachadura no meu sorriso.

    Por mais que tudo que eu tenha, a ti te dedique: conquistas, minha filha, meu diploma. Os meus textos, minha  pele, meu eterno estado de coma. Nisso, nada soma. Sempre estarei em débito por aquele um quarto sem mérito e por todo esse drama.

59 anos e uma saudade que sufoca

3 de abr. de 2013

Anatomia


Você tem os olhos mais tristes de um rosto bonito.
Seus olhos são líquidos com um arredondado desapontado, como de quem muito chora.
São a parte mais vívida, eletrizante, aprisionados dentro de um glóbulo em sépia.

Seus cabelos têm o cheiro do outono e as cores do passado.
Você os conserva em um corte desigual para passar a impressão de modernidade.
Quando caem sobre seus ombros, me passam a certeza da sua ambiguidade.

Você tem pernas que não se medem, que não têm contorno. 
São como escadas que nunca chegam ao topo,
Suas pernas provocam a vontade traiçoeira de te alcançar.
A voz sai como um sussurro que é para ofender. 
O fio que se equilibra suas palavras faz com que nós tenhamos que inclinar a cabeça,
voltando nossos ouvidos como se fossem olhos para ver o reflexo da alma.

No mimetismo do reino animal, 
aprendeu a figura de menina, só porque tem idade, 
quando é de sábia anciã que lhe monta o espírito.

Sua beleza é clássica e notória.
Sua sutileza é comovente.
O sorriso que se desfaz quando vira de lado é confirmação.

Um dia, quando eu ainda não te entendia ,
disse que somos resultado dos dramas que nos cercam.
Você só me assentiu. 
Hoje, com esses assobios de sermão, 
você me conta: 
Você é as escolhas certas e doídas da luta.

Prometi te transformar em poesia, 
só não disse que ficaria bonita.
Essa é a anatomia da sua graça.
Você é muito bonita.

26 de fev. de 2013

Por extenso e pelas entrelinhas


         Escrevo porque você faz anos e eu tenho esperança que seja melhor do que eu nisso. Nisso de conservar cartas, já que é tarefa unilateral, contrário de amizades, que depende de duas andorinhas. Digo isso porque sou péssima, em amizade e em cartas.
        Posso guardar do lado esquerdo de um bolso ou do peito, que sempre acontece d'eu amassar; d'eu perder; d'eu esquecer... sempre acontece.
        Escrevo porque sou vaidosa e gosto de receber elogios sigilosos em observações minuciosas e penso que outras pessoas hão de gostar também.
        Estou aqui porque você tem os dentes certos que não parecem aqueles fabricados por esses aparelhos odontológicos que enchem esse mundo de métricas perfeitas e pouca personalidade. Porque eu acho engraçado esse seu paradoxo escondido, de ser a pessoa doce mais sacana que conheço. Eu aprecio isso, aliás, eu amo isso! Pelo seu afeto transbordar pelo olhar, não pela boca nem pelos braços. São seus olhos que vacilam e se entopem de ruguinhas de canto, exprimidas e imprimidas em um acalanto silencioso.
        Pela risada oca quase em mudo que faz com que o momento seja mais engraçado. Por você ser extremamente engraçado quando tenta, mais pelo fracasso do que pela tentativa de fato. Pelo efeito prolongado e retardado desses momentos de fracassos engraçados – por eu rir sozinha, de você. Pela paciência. Pela experiência. Por essa ciência que tem na compreensão. Por ser só compaixão. Por pegar as pelinhas mortas dos dedos e do cotovelo ser sua marca. Por simplesmente pegá-las.
        Por você ser atento sem pedir permissão, por você reparar. Por você não atropelar as pessoas – o que é muito louvável – e mesmo assim admirar isso em mim. Pela sua honestidade. Por você ser um bosque ainda a ser desbravado e só me mostrar o jardim. Por eu querer conhecer a floresta. Pela risada que dará por essa metáfora bizarra. E essa carta, que por eu ser infantil o suficiente em escrever um texto só de porques, assim como fazíamos quando tínhamos 15, ainda achará bacana de minha parte. Talvez nessa hora você tenha deixado escapar um afeto pelo olho.
        Escrevo porque acho que vai surtir efeito quando, daqui há alguns anos, muito tivermos nos afastado e nosso único elo seja a rede social da moda, a qual nos adicionamos apenas por ter serviço de migração da anterior. Quando eu clicar no seu avatar – sim, serei eu a dar esse passo – por pura curiosidade na vida alheia. Perguntarei como está a sua vida, e todas aquelas perguntas ensaiadas, “Tá trabalhando aonde?” “E os seus irmãos?”, e nos despediremos às pressas, porque estaríamos de saída, mas não antes de fazer a promessa de marcar alguma coisa com a galera, quando, na verdade, só estaremos evitando o constrangimento da falta de assunto. Mas, assim que desligarmos nossos monitores, lembraremos dessa carta grotesca e sem noção. Ficarei com vergonha de ter tido a ideia e você rirá da minha ridicularidade.
       A carta te fará agradecer pela lembrança de uma forma tão estranha de quem era e me fará agradecer por você ter sido. Eu amo você, por extenso, e amo ainda mais nas entrelinhas. Eu te amo de verdade.

24 de out. de 2012

Reality


Sinto a dor pelas dores que nunca senti,
que nunca sentirei.
Sinto no pêlo o arrepio sufocado
que me esfola a pele.
Sinto o formar de um soluço abafado
Ducto estancado, lágrima, não seque.

Sinto pelas emoções que nunca senti,
que nunca sentirei:
Como será fugir, parir, não dar e receber?
Como que é amar, voar, ejacular, sentir prazer?
Fumar, foder, tocar e correr, morrer?
Vim, vi e venci. Fiz e repeti. Falhei.

Cabe a mim sentir os sentimentos do mundo.
Me chore, sou o muro da lamentação.
Comemore, se apegue. Eu sinto, se esfregue.
Espere, me transformo. Eu sou o que vejo. Prevejo.

Nunca saberei ir por onde nunca trilhei
que frustração é assistir o que nunca serei.
Calafrios de medo pelo o que não enfrentarei.
Não serei rei. Não serei eu. Não será meu.

Não.

17 de out. de 2012

Príncipe Encantado

Eu quero em companhia
alguém que entenda minhas metonímias
e ria das comparações.

Alguém lúdico,
que fale confuso
que ande na contra-mão

Use parte pelo todo e seja um pouco exagerado
com auxílio do hipertexto,
se esforce para ser desconectado.

Leia com tanto ardor Superinteressante
quanto perde tempo na Coluna Ego.
Ache oxford um bom pisante
e não suporte jeans com chinelo

Acima de tudo, contudo
quero alguém que não me ame.
Porque quero me apaixonar perdidamente
e todo mundo sabe que a gente gosta  de quem não gosta da gente.


11 de out. de 2012

Verdades II

Coitada da Fênix, que tem que chegar a ser cinza para renascer.

Verdades

- Você é efusiva demais para ser misteriosa.
- E não seria esse o meu mistério?