26 de fev. de 2013

Por extenso e pelas entrelinhas


         Escrevo porque você faz anos e eu tenho esperança que seja melhor do que eu nisso. Nisso de conservar cartas, já que é tarefa unilateral, contrário de amizades, que depende de duas andorinhas. Digo isso porque sou péssima, em amizade e em cartas.
        Posso guardar do lado esquerdo de um bolso ou do peito, que sempre acontece d'eu amassar; d'eu perder; d'eu esquecer... sempre acontece.
        Escrevo porque sou vaidosa e gosto de receber elogios sigilosos em observações minuciosas e penso que outras pessoas hão de gostar também.
        Estou aqui porque você tem os dentes certos que não parecem aqueles fabricados por esses aparelhos odontológicos que enchem esse mundo de métricas perfeitas e pouca personalidade. Porque eu acho engraçado esse seu paradoxo escondido, de ser a pessoa doce mais sacana que conheço. Eu aprecio isso, aliás, eu amo isso! Pelo seu afeto transbordar pelo olhar, não pela boca nem pelos braços. São seus olhos que vacilam e se entopem de ruguinhas de canto, exprimidas e imprimidas em um acalanto silencioso.
        Pela risada oca quase em mudo que faz com que o momento seja mais engraçado. Por você ser extremamente engraçado quando tenta, mais pelo fracasso do que pela tentativa de fato. Pelo efeito prolongado e retardado desses momentos de fracassos engraçados – por eu rir sozinha, de você. Pela paciência. Pela experiência. Por essa ciência que tem na compreensão. Por ser só compaixão. Por pegar as pelinhas mortas dos dedos e do cotovelo ser sua marca. Por simplesmente pegá-las.
        Por você ser atento sem pedir permissão, por você reparar. Por você não atropelar as pessoas – o que é muito louvável – e mesmo assim admirar isso em mim. Pela sua honestidade. Por você ser um bosque ainda a ser desbravado e só me mostrar o jardim. Por eu querer conhecer a floresta. Pela risada que dará por essa metáfora bizarra. E essa carta, que por eu ser infantil o suficiente em escrever um texto só de porques, assim como fazíamos quando tínhamos 15, ainda achará bacana de minha parte. Talvez nessa hora você tenha deixado escapar um afeto pelo olho.
        Escrevo porque acho que vai surtir efeito quando, daqui há alguns anos, muito tivermos nos afastado e nosso único elo seja a rede social da moda, a qual nos adicionamos apenas por ter serviço de migração da anterior. Quando eu clicar no seu avatar – sim, serei eu a dar esse passo – por pura curiosidade na vida alheia. Perguntarei como está a sua vida, e todas aquelas perguntas ensaiadas, “Tá trabalhando aonde?” “E os seus irmãos?”, e nos despediremos às pressas, porque estaríamos de saída, mas não antes de fazer a promessa de marcar alguma coisa com a galera, quando, na verdade, só estaremos evitando o constrangimento da falta de assunto. Mas, assim que desligarmos nossos monitores, lembraremos dessa carta grotesca e sem noção. Ficarei com vergonha de ter tido a ideia e você rirá da minha ridicularidade.
       A carta te fará agradecer pela lembrança de uma forma tão estranha de quem era e me fará agradecer por você ter sido. Eu amo você, por extenso, e amo ainda mais nas entrelinhas. Eu te amo de verdade.