Escrevo porque você
faz anos e eu tenho esperança que seja melhor do que eu nisso. Nisso
de conservar cartas, já que é tarefa unilateral, contrário de
amizades, que depende de duas andorinhas. Digo isso porque sou
péssima, em amizade e em cartas.
Posso guardar do lado
esquerdo de um bolso ou do peito, que sempre acontece d'eu amassar;
d'eu perder; d'eu esquecer... sempre acontece.
Escrevo porque sou
vaidosa e gosto de receber elogios sigilosos em observações
minuciosas e penso que outras pessoas hão de gostar também.
Estou aqui porque
você tem os dentes certos que não parecem aqueles fabricados por
esses aparelhos odontológicos que enchem esse mundo de métricas
perfeitas e pouca personalidade. Porque eu acho engraçado esse seu
paradoxo escondido, de ser a pessoa doce mais sacana que conheço. Eu
aprecio isso, aliás, eu amo isso! Pelo seu afeto transbordar pelo
olhar, não pela boca nem pelos braços. São seus olhos que vacilam
e se entopem de ruguinhas de canto, exprimidas e imprimidas em um
acalanto silencioso.
Pela risada oca quase
em mudo que faz com que o momento seja mais engraçado. Por você ser
extremamente engraçado quando tenta, mais pelo fracasso do que pela
tentativa de fato. Pelo efeito prolongado e retardado desses momentos
de fracassos engraçados – por eu rir sozinha, de você. Pela
paciência. Pela experiência. Por essa ciência que tem na
compreensão. Por ser só compaixão. Por pegar as pelinhas mortas
dos dedos e do cotovelo ser sua marca. Por simplesmente pegá-las.
Por você ser atento
sem pedir permissão, por você reparar. Por você não atropelar as
pessoas – o que é muito louvável – e mesmo assim admirar isso
em mim. Pela sua honestidade. Por você ser um bosque ainda a ser
desbravado e só me mostrar o jardim. Por eu querer conhecer a
floresta. Pela risada que dará por essa metáfora bizarra. E essa
carta, que por eu ser infantil o suficiente em escrever um texto só
de porques, assim como fazíamos quando tínhamos 15, ainda achará
bacana de minha parte. Talvez nessa hora você tenha deixado escapar
um afeto pelo olho.
Escrevo porque acho
que vai surtir efeito quando, daqui há alguns anos, muito tivermos
nos afastado e nosso único elo seja a rede social da moda, a qual
nos adicionamos apenas por ter serviço de migração da anterior.
Quando eu clicar no seu avatar – sim, serei eu a dar esse passo –
por pura curiosidade na vida alheia. Perguntarei como está a sua
vida, e todas aquelas perguntas ensaiadas, “Tá trabalhando aonde?”
“E os seus irmãos?”, e nos despediremos às pressas, porque
estaríamos de saída, mas não antes de fazer a promessa de marcar
alguma coisa com a galera, quando, na verdade, só estaremos evitando
o constrangimento da falta de assunto. Mas, assim que desligarmos
nossos monitores, lembraremos dessa carta grotesca e sem noção.
Ficarei com vergonha de ter tido a ideia e você rirá da minha
ridicularidade.
A carta te fará
agradecer pela lembrança de uma forma tão estranha de quem era e me
fará agradecer por você ter sido. Eu amo você, por extenso, e amo
ainda mais nas entrelinhas. Eu te amo de verdade.